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domingo, 11 de dezembro de 2011

Da sujeição à sustentabilidade

A reformulação de critérios de valoração social, associada à adoção do referencial ambientalista, faz parte de um cenário mundial em que é conferida uma importância tanto científica quanto simbólica à Amazônia. O fato de ser a maior floresta tropical remanescente no planeta preenche o imaginário de toda a comunidade ecologizada do mundo, ao lado de outras questões globais como a perda da diversidade biológica, o efeito estufa e o buraco da camada de ozônio. A construção do paradigma ambientalista é resultado de uma longa reflexão sobre as raízes éticas e ideológicas da crise ambiental que põe em cheque diretamente o modelo de desenvolvimento capitalista, questiona o lugar da espécie humana na natureza e sua responsabilidade pelo futuro da biosfera. Esta autocrítica era, até recentemente, impensável.

Em termos de debates acadêmicos, o novo referencial permitiu avanços consideráveis nos estudos sobre a relação entre populações humanas e o meio ambiente na Amazônia. As primeiras tentativas de aplicar conceitos desenvolvidos pela Ecologia ao estudo das sociedades humanas mostraram-se frustrantes. Essas análises limitaram-se a estudar sociedades indígenas, as únicas consideradas adequadas à aplicação dos modelos de ecologia humana inspirados em modelos desenvolvidos para o crescimento de populações animais. Foram produzidas ao longo dos anos de 1960 e 1970, quando a relação entre ecossistemas e populações da Amazônia foi pensada a partir do conceito de adaptação. Rejeitadas por causa de seu caráter reducionista, viam as formações socioculturais dos povos indígenas da Amazônia como adaptações ao ambiente, resultantes da ação da seleção natural – em particular de fatores ambientais limitantes como pobreza dos solos ou carência de proteínas – que teriam impedido o desenvolvimento de formas sociais mais complexas (Meggers, 1977; Gross, 1975; Ross, 1978).

Esse quadro analítico não comportava nossa sociedade "civilizada" porque sua eficiência tecnológica a desvinculava das pressões naturais. Como o desenvolvimento e a história da civilização ocidental teriam se dado independentemente de limitações ambientais, a sociedade ocidental não teria sofrido a mesma pressão dos processos evolutivos que moldaram o desenvolvimento das sociedades indígenas e a ela se reservava o direito a uma "história". A noção de adaptação era entendida mais como uma forma de sujeição das sociedades indígenas ao domínio da natureza do que como um ajuste que certamente ocorre em sociedades de tecnologia mais simples. O paradigma da sujeição impedia a visualização da relação dialética entre formas sociais e meio ambiente, que implica não uma relação de mão única mas bilateral, pois os povos indígenas também exercem pressões sobre o ambiente e afetam sua evolução (cf. Balée, 1994). Por outro lado, esse mesmo paradigma resultou num relativo atraso da reflexão da antropologia politicamente engajada sobre as relações entre a sociedade humana e o meio ambiente, pois era visto por esta última como produto de uma ideologia que retirava dos índios a condição de sujeitos da história.

O quadro analítico atual mostra a precariedade epistemológica da dicotomia entre sociedades passíveis de uma análise ecológica e outras isentas. Os povos indígenas aproximaram-se da sociedade nacional seja porque as premissas que o determinismo ecológico adotou perderam seu aval científico, seja porque índios "ingressaram na história" com sua inserção na economia de mercado e no movimento indigenista de luta por direitos de cidadania. Quanto à nossa sociedade, a década de 1990 pode ser considerada o marco de nosso ingresso no time das sociedades com direito a uma análise ecológica: o conceito de desenvolvimento sustentável, embora ambíguo e dotado de polissemia, coloca-nos à frente de um ideal de "adaptação consciente". Aproximamo-nos assim uns aos outros. Envolvimento com o mercado e história ecológica são atributos comuns a sociedades para as quais eram, antes, reservados critérios analíticos distintos.

Uma vez que já não cabem mais as antigas dicotomias, fundadas em conceitos de caráter um tanto apriorístico e que não davam conta da grande diversidade observada em campo, o novo contexto analítico abre espaço para abordagens mais empíricas do que teóricas para estudar a relação entre populações e ecossistemas. Uma análise baseada na verificação empírica da sustentabilidade dos usos que fazem as populações humanas dos ecossistemas, produz, desta forma, uma ordenação da diversidade social segundo critérios ambientais.

O emprego do critério de sustentabilidade – que substitui o de "adaptação" da abordagem teórica evolucionária – permite enumerar as diferentes formas de uso que as populações fazem do meio ambiente, considerando suas diferenças genéricas em termos de inserção na economia de mercado e posse de uma tradição ou história ecológica. Partiremos, inicialmente, de uma explicação a respeito dessas categorias analíticas.

 

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