Existem enormes desafios em relação ao futuro da Humanidade.
Temos insistido muito na idéia de que o aquecimento global é o grande desafio. Suas conseqüências têm sido divulgadas pela grande mídia, basicamente reproduzindo os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas - IPCC. Desse modo, tenho a impressão de que houve uma mudança no patamar de consciência da população, demandando um repertório de ações e políticas que permitam a transição na direção de uma sociedade mais sustentável.
A sustentabilidade é bola da vez. Bancos são sustentáveis, produtos e serviços também. Ou seja, estamos assistindo a um enorme volume de campanhas publicitárias que se utilizam da sustentabilidade, sem que seja possível se entender bem o que elas representam e se de fato tudo não passa de publicidade, sem real compromisso com as transformações, necessárias para a salvaguarda dos direitos das futuras gerações a um planeta saudável. O essencial neste conceito é certamente o direito dos nossos filhos e netos ao desfrute de um meio ambiente capaz de oferecer boas condições de vida permanentes. Concretamente falando, não será mais possível manter o perfil atual de impacto das atividades econômicas sobre os recursos naturais e o meio ambiente, razão pela qual teremos uma mudança radical de paradigma no campo do consumo.
Esta mudança vai significar que na próxima década haverá um aumento radical das exigências do consumidor em relação aos bens e serviços por ele demandados, sendo esta transição resultado da incorporação dessas demandas em novas exigências, a exemplo de processos de certificação que assegurem efetivamente a redução das emissões de gases efeito estufa, a possibilidade de reuso pós-consumo, menor intensidade do uso de recursos naturais e que legislações sociais sejam observadas em toda a cadeia produtiva.
Na compra de carvão vegetal para o churrasco do domingo, do peixe ou da carne a ser objeto do churrasco, do tempero sem o uso de pesticidas, toda esta gama de produtos terá que incorporar em seu processo de produção esses novos requisitos. Sem o seu atendimento, dificilmente será fácil inserí-los no mercado, ainda que sempre exista a tentativa da comercialização de produtos e serviços que não atendem a estas novas demandas da sociedade, do mesmo modo que existe hoje no Brasil todo um leque de produtos que não atendem o quesito preliminar da legalidade: mogno extraído ilegalmente e livremente comercializado em móveis na Rua Teodoro Sampaio, em São Paulo, palmito ilegalmente extraído e vendido nas feiras livres, areia de portos de extração ilegais utilizados na construção civil, enfim, situações com as quais convivemos e que são fruto da incapacidade do Poder Público de exercer, num patamar mínimo, as atividades básicas de fiscalização.
Esta década será marcada por uma transição na direção da sustentabilidade, ou seja, o esforço do estabelecimento de processos inovadores que assegurem a passagem para uma sociedade diferente. Novos desenhos políticos estão surgindo, valorizando as alianças estratégicas entre as ONGs e setores empresariais comprometidos com os novos tempos, com a participação de atores governamentais cuja função estratégica será de fixação de novos espaços públicos de interação entre os vários atores sociais, exercendo uma mediação legítima, utilizando um amplo arsenal de instrumentos de estímulos e desestímulos de comportamentos. Entre estes, certamente os incentivos econômicos e tributários se tornam muito relevantes, de modo que produtos e bens ambientalmente corretos passarão a ter menor tributação, sendo um bom exemplo o caso das lâmpadas eficientes que tiveram dramática redução tributária durante o "Apagão" exatamente pela importância de sua contribuição na redução da demanda de energia.
Muita gente vai argumentar que a incorporação destas demandas significará aumento do preço de produtos e serviços na ponta da cadeia, prejudicando a base da pirâmide social em termos de acesso aos mesmos. Entretanto, este argumento é falacioso pois a não incorporação desses novos critérios ambientais e sociais a médio e longo prazo repercutem sobre os mais pobres, uma vez que, em última instância, há uma socialização dos prejuízos na maior parte das situações em que os preços praticados excluem os reais custos, o que os economistas denominam de externalidades. Uma fábrica ao lançar poluição nos rios está socializando os prejuízos e exigindo do Poder Público investimentos para recuperar os impactos ambientais desta conduta. Automóveis sem observar padrões mínimos de emissão estarão contribuindo para maior número de internações nos hospitais, óbitos e doenças crônicas, cujo ônus final é da sociedade.
A agenda desta década será marcada pela sustentabilidade, sendo importante se alertar que retórica sem ação poderá trazer repercussões negativas para aqueles que acreditam que tudo não passa de um "sonho de uma noite de verão". Empresas, governos, e até mesmo ONGs que não demonstrarem para a sociedade que têm compromisso efetivo com as transformações, correm o risco de que o "tiro saia pela culatra", pelo fato de que credibilidade é um dos grandes artigos intangíveis dessas organizações, sendo muito difícil adquiri-la e fácil perdê-la.
fonte Fabio Feldmann
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