As mais importantes certificações socioambientais existentes até hoje
concentram-se em produtos ou em procedimentos produtivos. No caso do Forest Stewardship Council (o
FSC, bastante conhecido no Brasil), por exemplo, o que se assegura é
que a madeira ou a celulose foram produzidas em condições que não ferem o
meio ambiente e respeitam a dignidade dos trabalhadores do setor.
Um selo orgânico garante que não foram usados fertilizantes químicos ou agrotóxicos no cultivo dos produtos. O “fair trade”
(comércio justo) assegura boas condições de trabalho e termos de troca
que, mais do que reflexos da oferta e da demanda, embutem a preocupação
explícita de que uma parte significativa dos lucros da cadeia em questão
vá aos que se encontram na base de sua pirâmide social.
Além destes selos, existem também organizações globais (como o Global Reporting Initiative),
que auxiliam as empresas a elaborar relatórios voluntários pelos quais
seus acionistas e os principais atores que com elas se relacionam possam
conhecer seu desempenho socioambiental. É um fascinante processo
evolutivo que já se encontra em sua quarta geração e que inclui um exame
cada vez mais aprofundado de diferentes dimensões da atividade das
empresas que dele participam.
Nenhuma dessas iniciativas, entretanto, tem objetivo tão ambicioso
como o daquela que se formou nos Estados Unidos em 2006 e que hoje
existe em 24 países, abrangendo 60 setores econômicos e mais de 700
empresas: Benefit Corporation é um movimento empresarial que se
define explicitamente pela missão de usar o poder dos negócios para
resolver problemas socioambientais. Esse movimento ganhou tal força que
acabou por gerar uma legislação específica que prevê direitos e
obrigações para empresas que assumam os compromissos de uma Benefit
Corporation.
Não se trata apenas de atestar a qualidade de um produto ou de um
processo produtivo, o que, sem dúvida é muito importante. Tampouco se
trata de relatar os avanços graduais feitos por grandes organizações no
que refere à emissão de gases de efeito estufa ou ao uso de água. O que
marca o sistema Benefit Corporation não é, tampouco, algum
atributo técnico ou científico que tenha revolucionado os próprios
parâmetros de avaliação do comportamento empresarial.
O segredo da Benefit Corporation é que, embora se trate de
um compromisso voluntário, uma vez assumido, ele passa a ter força
legal, como explica Maria Emilia Corra, empresária chilena. A empresa se
compromete a ser avaliada por um corpo independente que verifica se, de
fato, ela tem um impacto material e significativo naquilo que se propõe
a fazer. E este compromisso torna-se uma obrigação jurídica.
Se, por exemplo, a empresa Benefit Corporation passar por
uma situação difícil em que ela queira adiar o cumprimento de seus
compromissos socioambientais para preservar sua rentabilidade, sua
direção pode ser processada e punida formalmente por descumprimento de
cláusulas contratuais tão poderosas quanto a própria geração de lucros.
O Chile já está discutindo uma legislação em que esse tipo de empresa
possa enquadrar-se. E certamente essa discussão também terá lugar no
Brasil, onde já existe aquilo que nos países de língua espanhola vem
sendo chamado de “empresas B”. A que está agora articulando a montagem
do sistema no Brasil é o CDI, empresa voltada para a inclusão digital e
cujo site vale a pena ser visitado.
Guayaki, por exemplo, é uma empresa que atua no mercado
norte-americano de refrigerantes e que tem como objetivo não apenas
remunerar os acionistas, sem provocar destruição ou respeitando as leis,
mas, mais que isso, regenerar a Mata Atlântica e valorizar o trabalho
dos agricultores que cultivam a erva-mate. Seu site mostra o avanço já
obtido nessas duas direções. Uma empresa chilena de construção fez da
reinserção social de presidiários comuns uma das bases de sua atuação,
com resultados impressionantes.
O mecanismo lembra a iniciativa do navegador mitológico Ulisses que,
ávido para escutar o canto das sereias, mas sabedor de que tal melodia,
fatalmente, atraía o ouvinte para o fundo do mar, cria um ardiloso
artifício: tapa o ouvido de todos os membros da tripulação e amarra-se a
um mastro do navio. Assim pode deleitar-se com o que ouve e, ao mesmo
tempo, quando implora desesperado a seus companheiros que o deixem
partir, seduzido pelo som encantador das sereias, estes não têm como
cumprir suas ordens.
Ao se tornar uma Benefit Corporation, a empresa faz mais do que
certificar um aspecto de suas atividades ou relatar o quanto evoluiu em
suas práticas: ela assume um compromisso com parâmetros de desempenho
que envolvem sua governança e sua transparência, a relação com seus
empregados, com fornecedores, com clientes, com entidades beneficientes,
com o território em que se situam, além de uma série de parâmetros
ambientais. O importante é que a decisão de adotar esses compromissos
com força legal acaba por nortear o próprio processo de inovação da
empresa em direção a práticas socioambientalmente sustentáveis.
Nos Estados Unidos, em que as leis referentes à relação entre
empresas e acionistas são estaduais, 11 Estados já possuem legislação
prevendo esta forma de organização empresarial e espera-se que, ainda
neste semestre, Delaware (onde se concentra grande número de corporações
norte-americanas) também passe a permitir este tipo de firma.
Um novo modelo de organização empresarial está surgindo e seu lema é
muito emblemático: não se trata de ser a melhor do mundo, mas de ser a
melhor para o mundo. Isso significa algo decisivo para o
empreendedorismo que é uma redefinição do próprio sentido do êxito nas
sociedades e nas economias contemporâneas.
Quando as empresas B se difundirem largamente, a separação entre
empreendedorismo social e empreendedorismo privado vai soar como o
resquício de uma era em que ainda havia hostilidade entre o mundo da
economia e as aspirações da sociedade.
Fonte: Folha de São Paulo.
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